Emiliano Ciotti: "Não vamos apagar a memória dos estupros de guerra."


ROSTOS ESTRANHOS
A Associação Nacional das Vítimas do "Marocchinato" (Marocchinate) reúne relatos das atrocidades cometidas pela Força Expedicionária Francesa na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. A tentativa de invasão de suas operações e a teimosia de seu presidente também são discutidas. Entrevista
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Uma vasta documentação coletada ao longo dos anos foi apagada da internet em um ataque cibernético. Por esse motivo, uma organização que normalmente tem mais dificuldade em alcançá-lo ganhou destaque nos últimos dias. Fundada em 2007, conta com o apoio de voluntários e da tenacidade de Emiliano Ciotti, 51 anos, bombeiro com um compromisso ambiental que lhe rendeu o título de cavaleiro. Talvez para os mais jovens que não assistiram ao filme "Duas Mulheres", a Associação Nacional das Vítimas do "Marocchinato" (ANVM) pareça uma associação com um nome enigmático. Por falta de memória, a história pouco ensina, mesmo quando os eventos atuais revelam que o estupro de guerra é um crime ainda perpetrado por russos na Ucrânia.
Quem poderia ter hackeado você?
A investigação está se inclinando para motivações políticas, já que não recebemos nenhuma solicitação de dinheiro. Felizmente, a documentação está arquivada e iremos restaurá-la.
A Associação tem objetivos políticos?
Apenas uma intenção histórica. Em vez disso, houve uma relutância política em refletir abertamente sobre esses atos de violência: as atrocidades cometidas pelos alemães são bem conhecidas, mas não pela Força Expedicionária Francesa, embora a primeira a falar sobre elas na Câmara tenha sido a deputada comunista Maria Maddalena Rossi, em 1952.
Quantos casos houve?
Aproximadamente vinte mil estupros foram documentados somente na Ciociaria, e estimamos sessenta mil em toda a Itália. Esta é uma estimativa conservadora. O Corpo comandado pelo General Alphonse Juin desembarcou na Sicília, e os estupros começaram lá, mas os registramos em todas as regiões por onde passaram. Até mesmo em Trieste, onde desembarcaram unidades destinadas à ocupação do Tirol do Sul. Infelizmente, os arquivos não contam a história completa porque muitas pessoas preferiram não denunciá-la. Aquelas que foram estupradas foram marcadas a ferro. Se fossem solteiras, não conseguiam encontrar um marido. Os perpetradores dos estupros não eram apenas marroquinos, embora o termo "marocchinato" tenha se tornado mais prevalente no período pós-guerra. A Força Expedicionária Francesa, com mais de 111.000 homens, também incluía tunisianos, argelinos, senegaleses, membros da Legião Estrangeira e, claro, oficiais europeus.
É verdade que Juin deu aos seus soldados uma espécie de sinal verde de cinquenta horas após romper a Linha Gustav?
Não houve tal ordem, mas sim cinquenta horas: o último estupro documentado ocorreu em janeiro de 1946. Juin recomendou, em vez disso, manter "uma atitude digna", apesar do ressentimento em relação à nação que "traiu a França de forma odiosa". Com o avanço da Linha Gustav pelos Aliados em 18 de maio de 1944, esse ressentimento foi desabafado. Portanto, propusemos que a data de 18 de maio fosse dedicada à memória dessas vítimas de todas as idades. Até mesmo um menino de três anos foi morto por gritar enquanto sua mãe era estuprada, em Prossedi, na província de Latina.
As autoridades sabiam?
Eles toleravam e às vezes participavam. Até os alemães temiam os goumiers, as unidades especiais treinadas para a guerra nas montanhas. Havia soldados da Wehrmacht que cometeram suicídio para evitar decapitação ou mutilação.
Os americanos sabiam?
Eles não tinham intenção de interferir na condução de outro exército, mas não puderam mais. Chegando aos portões de Viterbo, ordenaram que os franceses fossem fuzilados, testemunhando a violência. Até o Papa sabia: muitos párocos relataram estupros, mesmo contra aqueles que já haviam sido mortos. Os casos do Padre Alberto Terilli, que morreu em consequência de estupro, e do Padre Enrico Jannoni, que foi fuzilado por defender várias mulheres, são bem conhecidos. As freiras de um convento em Colleferro também foram estupradas. Pio XII protestou junto ao General Clark, de modo que os franceses não acamparam em Roma, mas entre Fiuggi, Castelli e Civitavecchia.
Alguém ficou com o bebê que estava grávida?
Elas foram confiadas a comunidades: em Sabaudia, em Veroli, na província de Frosinone. Os filhos de vítimas de estupro nunca entraram em contato com nossa Associação, seja por não terem estabelecido suas origens, seja para escondê-las. Há alguns anos, o prefeito de uma cidade em Ciociaria sussurrou uma para mim, como aconteceu com as vítimas. Sou de Roccagorga, na província de Latina, e mesmo na década de 1990, as pessoas sussurravam: "Viu aquele cara? Ele foi estuprado por marroquinos." Por outro lado, fui levada a investigar por um caso familiar: meu tio de quatorze anos, estuprado e assassinado.
As vítimas foram compensadas?
Para apresentar uma reclamação, era necessário relatar o incidente aos Carabinieri imediatamente após o ocorrido; um relatório médico; e uma declaração do prefeito. Até 1947, a indenização, no valor de 15.000 liras, era fornecida pela França. A partir de 1947, passou a ser paga pela Itália, até um máximo de 150.000 liras. A pensão só estava disponível em caso de invalidez permanente.
Com quais parâmetros foi quantificado?
A idade da vítima, se havia contraído doenças venéreas, o que acontecia na maioria dos casos, e outros ferimentos sofridos: alguns perderam dentes devido aos espancamentos, outros tiveram os seios arrancados a mordidas, alguns enlouqueceram. Outros não sobreviveram à violência infligida em rodízio por centenas de soldados.
Quais países foram mais afetados?
Em Castro dei Volsci 940 estupros, no Pico 809, em Amaseno 706.
Haverá um dia de comemoração?
Apenas um Presidente da República, Carlo Azeglio Ciampi, se manifestou em 2004, afirmando que "ninguém jamais poderá perdoar" esses atos de violência. Giorgia Meloni o fez como vice-presidente da Câmara dos Deputados, e há um projeto de lei no Senado. Continuamos, e os ataques cibernéticos não nos desanimam.
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